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quarta-feira, 6 de abril de 2016

Nietzsche e a tragédia humana - por Alfredo Carneiro

Nietzsche e a tragédia humana

Até a Grécia antiga anterior a Sócrates, o homem tinha uma relação íntima com a natureza. Os deuses representavam as mais altas (e as mais baixas) qualidades humanas. Os homens se identificavam com os deuses e suas ações visavam a plenitude da existência. Para Nietzsche, a vida é “vontade de potência”, que é o desejo de viver de forma plena e vigorosa, por isso o filósofo alemão considerava a perspectiva dos antigos algo mais próximo de uma vida plena e carregada de significados. Os antigos mesclavam a realidade ao mito, a existência aos mais profundos anseios inconscientes.

Essa aproximação do homem com a natureza e o mito Nietzsche chamava de  relação entre o apolíneo com o dionisíaco, que dava ao homem a noção de pertencimento à ordem perfeita da natureza. Mas, após Sócrates e Platão, as investigações filosóficas se voltaram para um “além-mundo” e iniciaram a “despotencialização” do homem, que passa a depositar suas esperanças não mais nessa vida, mas em uma vida “espiritual” depois dessa vida. A realidade passa a  não ter mais sentido em si mesma e o homem perde sua dimensão mítica e começa a tornar-se fraco e ressentido.  A realidade, para Platão, é apenas uma “sombra do mundo perfeito” conforme está claro no Mito da Caverna. Para Nietzsche, esse é o início da tragédia humana.

Na era medieval essa visão platônica se acentua e o cristianismo se instala, fundando a Europa cristã. Agostinho, irá retomar as ideias de Platão e fundar uma doutrina cristã de enfraquecimento. O homem já nasce pecador e miserável e somente o Deus cristão poderia “perdoá-lo” e “salvá-lo”. Tal é a ideia do “pecado original” de Agostinho que o cristianismo adotou como oficial.


A humildade e a humilhação passam a ser valorizadas e esse mundo torna-se um lugar não apenas imperfeito, mas também de castigo e sofrimento. O orgulho e a altivez são vistos como pecados. O deuses antigos são transformados em demônios “pagãos” e associados com o mal que leva o homem ao inferno. Agora o homem não é apenas fraco, é também assustado, paranoico, e diviniza as mais baixas qualidades humanas. O homem forte, vigoroso e orgulhoso tornou-se “mau” e “condenado”, e o fraco que sempre ressentiu-se da superioridade do forte passou a ser “bom”.
Se na era medieval a questão de Deus era o ponto central, na era moderna ocorre uma transição, uma passagem da visão cristã para uma nova percepção do mundo e do homem, não mais como um ser criado por Deus, mas dono de si que a tudo investiga com a razão e a experimentação. O Renascimento, que marcou o início da modernidade, foi definido pelo uso da razão, pela negação da visão medieval e pelo surgimento de um novo Deus: a ciência.
A modernidade pretendia emancipar o homem, mas conseguiu dessacralizar mais ainda o mundo e não deu nada em troca, a não ser a crueza de uma vida sem encantos ou significados. A revolução industrial deu origem à grande massa humana, a multidão que se desloca diariamente de suas casas para as fábricas e escritórios em busca de objetivos mesquinhos, lutando por uma vida superficial de pequenos prazeres.  As eras medieval e moderna transformaram todos os homens em iguais, promovendo a normalização da natureza humana.
Na modernidade o  diferente  é perseguido e criticado, pois tudo tem de ser de acordo com normas e costumes niveladores. Nietzsche pela primeira vez identifica esse comportamento afetado e paranoico com o ressentimento, que é a inveja que o fraco tem do forte e do diferente. Tal pensamento totalmente original irá inspirar Freud na criação da teoria do inconsciente.
Para Nietzsche a era moderna criou uma expectativa desmedida e ingênua, baseada na razão e na ciência, que tirou do homem sua profundidade“Deus está morto” é uma crítica à própria filosofia de seu tempo, influenciada por Descartes, pai da filosofia moderna que colocou o homem (o “eu”) no centro da investigação filosófica e definiu a natureza como um mecanismo sem mistérios.
Nietzsche afirma então que o homem moderno não sabe mais para o que se voltar. A filosofia ocidental e a modernidade falharam em dar um significado à vida. O que morreu foi nossa dimensão divina, nossa vontade de viver plenamente e nosso heroísmo, nos tornando animais de rebanho, ovelhas, seres pequenos, egoístas, covardes e assustados.  O único mérito que o homem moderno tem é o fato de sua tragédia ser apenas uma transição para o além do homem, que será o momento que o homem vai se desfazer de toda essa baixeza e viver sua vida de forma autêntica, original e plena. Assim falava Friedrich Nietzsche, assim falava Zaratustra.

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